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quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Perdão ao povo negro pela escravidão e racismo praticados pelos seus antepassados.



Uma festa em cemitério pode soar estranho, mas ela acontece no calendário turístico do Estado de São Paulo. O Cemitério do Campo é o palco de comemoração anual promovida pela Fraternidade Descendência Americana em Santa Bárbara D'Oeste, município de 172 mil habitantes, localizado a 138 Km a noroeste da capital, São Paulo.

"É tudo uma questão de costume. Meus netos pulam de alegria quando os convidamos para a festa", afirma Noemia Alice Cullens Pyles, 59 anos, tesoureira da Fraternidade. Na verdade, a festa acontece num pátio localizado ao lado da capela, mas dentro do cemitério.

Na festa (a próxima já está agendada para o dia 9 de abril de 2006), o pátio do cemitério ganha barracas que servem comidas típicas norte-americanas, como "hot dog" e "biscuit". Moças em trajes típicos e rapazes vestindo o uniforme do soldado confederado apresentam-se na "square dance", uma espécie de quadrilha executada junto a uma bandeira confederada.

Para o presidente da Sociedade Cultural Missões Quilombo e coordenador do Fórum de Lideranças Negras Evangélicas, Hernani Francisco da Silva, em nenhum momento nesses 20 anos de festas comemorativas os descendentes de norte-americanos residentes em Santa Bárbara D'Oeste pediram perdão ao povo negro pela escravidão e racismo praticados pelos seus antepassados.

"Minha família nunca teve escravo. Da minha parte não caberia tal pedido de perdão. E os que vieram dos Estados Unidos não trouxeram nenhum escravo consigo. Mas se alguém teve escravos aqui e se a consciência mandar, a esse cabe fazê-lo", reagiu a tesoureira da Fraternidade. Ela entende que quem iniciou a escravidão no país foi o Império brasileiro, a quem caberia pedir perdão a povo negro.

Santa Bárbara D'Oeste recebeu, depois da Guerra da Secessão, nos Estados Unidos (1861-1865), imigrantes norte-americanos que se estabeleceram na região e passaram a cultivar lavouras de cana-de-açúcar, laranja, e desenvolveram atividades industriais.

Em 1866, Santa Bárbara D'Oeste abrigou as primeiras 93 famílias norte-americanas. Estima-se que cerca de dez mil sulistas deixaram o país em 1866 e 1867, dos quais aproximadamente duas mil vieram ao Brasil, dirigindo-se ao litoral e o interior paulista, a maioria de origem batista, episcopal, presbiteriana e metodista.

O Cemitério do Campo nasceu nas terras do Coronel Oliver. Ele perdeu a mulher, Beatrice Oliver, em 13 de julho de 1868, vítima de tuberculose. Beatrice não pôde ser sepultada no cemitério da localidade, pois, como rezavam as leis de então, não eram permitidos sepultamentos de pessoas não-católicas nos campos santos.

O coronel Oliver decidiu seguir a tradição do sul dos Estados Unidos, e sepultou a esposa nos fundos da fazenda. Menos de um ano depois, o coronel perdeu duas filhas, também vitimadas pela tuberculose, e que foram enterradas junto à mãe.

A partir de então, todo norte-americano que falecia na localidade era enterrado no Cemitério do Campo, hoje uma área de 15 mil metros quadrados que abriga 400 túmulos. Em 1871, imigrantes norte-americanos construíram uma capela no cemitério e fundaram, em 1954, a Fraternidade, que se define como uma entidade filantrópica e cultural, sem fins lucrativos, promotora da Festa Confederada.

O objetivo das festas promovidas pela Fraternidade é um só: manter o cemitério. As festas reúnem mais de 1,5 mil pessoas a cada ano, quando os organizadores arrecadam, líquido, algo em torno de 2 mil reais (cerca de 820 dólares). "As danças que ali são apresentadas é só para que a festa fique mais bonita", garante Noemia Pyles.

O costume de as famílias se encontrarem no cemitério tem mais de cem anos. No passado, os descendentes de norte-americanos deslocavam-se aos domingos até o Cemitério do Campo para ouvir o pastor. Como o cemitério ficava a 10 Km do centro da cidade e a locomoção na época era feita a cavalo, as famílias já aproveitavam o domingo para almoçar juntas e confraternizar.

Noemia Pyles conta, com orgulho, que até o ex-presidente Jimmy Carter, quando era governador da Geórgia, visitou o cemitério, junto com a sua mulher. Passeando entre os túmulos, Rosalyn Carter encontrou a sepultura de um tio-avô que veio ao Brasil e do qual nunca mais tivera notícia. Surpresa, ela descobriu que o parente estava ali enterrado.

Edelberto Behs, SÂO PAULO, Brasil, Outubro 25, 2005

Fonte: ALC

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